Queridos irmãos e irmãs, familiares e amigos de nosso amado Dom André.
A Páscoa desse nosso Pastor, pai,
amigo e irmão, provocou uma série de sentimentos e reflexões a todos que o
conheciam e o amavam. Por que uma partida tão rápida, se o próprio Dom André
falava:“como seria algo agradável, e se Deus permitisse, útil, viver longos
anos como emérito”?Por que uma partida tão rápida, se o próprio Dom André ficou
emocionado quando os padres, leigos e as irmãs, com grande gesto de carinho e
gratidão, pensaram e começaram a construir
uma casa, que seria para os eméritos?
Conhecendo Dom André, como tive a
graça de conhecer, desde 2003, quando o encontrei à primeira vez, antes do meu
ingresso no seminário, e ainda mais, quando morei com ele nos meus primeiros
anos de padre (2012-2015), posso afirmar que dom André nos diria: “Gente, nós
fazemos uns planos, mas Deus tem outro, bem melhor”. Com certeza,ele daria uma
piscada de olho, nos faria um gesto nos dedos de ok,como costumava fazer quando
queria nos confirmar no caminho, e diria ainda: “Deus é mais”, expressão que
sempre gostava de nos lembrar, que aprendeu isso com as pessoas pobres e
sofredores.
Estamos com o coração partido!Os olhos
não seguram as lágrimas das muitas lembranças, dos bons momentos compartilhados
e muita saudade.Mas o que ficará para nós além disso?Deus nos ajude que fiquem sobre tudo,
as grandes lições do testemunho de Dom André:um ser humano simples e respeitoso
com todos; um homem de Deus, um pastor, amigo e irmão de todos e todas. Deus
ajude que fique para todos nós aquilo que ele nos pediu: “Deus lhes dê força de
continuar a missão que o Senhor nos confiou, sendo uma Igreja fiel ao
Evangelho, seguidora de Jesus Cristo e promovendo vida e vida em abundância”.
Nossa Gratidão, a toda Família De Witte,
por nos ter dado tão grande presente!Por compreender e apoiar dom André a
gastar a sua vida nessas terras e com nossa gente, sobretudo com os mais pobres
e sofredores. Por tudo que Dom André nos contou de seus saudosos pais, irmãos e
demais familiares, temos certeza que tudo do que ele foi e fez aqui, tem muito
do que aprendeu e viveu na família. Jesus nos ensinou que cada árvore é conhecida pelos seus próprios frutos.
Uma pessoa boa produz do bom tesouro do seu coração o bem (cf. Lucas 6). Dom
André produziu bons frutos porque pode experimentar um ambiente familiar sadio
e porque soube permanecer unido a Jesus. A palavra de Deus se fez vida em Dom
André: “Aquele que permanece em mim, e
Eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim não podeis realizar obra alguma”
(João 15,5).
Nessa hora difícil, em que nos despedimos
de quem tanto amamos, encontremos conforto na certeza de que um dia nos
encontraremos todos, na morada Eterna. Que Dom André descanse em paz e continue
olhando por nós, como sempre fez em vida. Que cada um de nós, além das da
gratidão e das muitas lembranças e saudades, aprendamos a tirar grandes lições
do seu testemunho de fé e de vida. Que sejamos como ele.
PESSOA
HUMANA (COMPASSIVO)
Dom André, por incrível e simples
que pareça, antes de qualquer coisa, era“pessoa”, “gente”, “pessoa humana” Sua
condição existencial de ser humano, veio antes da função e lugar institucional
que ocupava.Era incrível a sua capacidade de respeitar as pessoas e reconhecer
suas próprias fragilidades e limites. Sempre escutava a todos com respeito
carinho e paciência tendo muito cuidado para não ferir ninguém. Assim nos
recordava tantas vezes: “O ser humano é sempre maior do que seus erros”. “Jesus
não veio para condenar”. Dom André entendeu bem o mistério da Encarnação. Entendeu
que só vivendo a nossa humanidade chegaremos ao divino. Entendeu que no Deus
que se fez homem, o Divino se torna humano, para o humano, tornar-se divino.
Deus se manifestou a mulheres e homens trazendo a novidade da plenitude da
vida. “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo,10;10) -texto
bíblico que soava sempre de seus lábios como uma mantra.
HOMEM
DE TODA HUMANIDADE (DESPOJADO)
Dom André falava com admiração e
carinho de sua família e dos bons momentos vividos em sua terra natal,aBélgica.
Mas, nunca negou que por amor à missão, era um brasileiro de coração.Sua história
no Brasil, começou em 1976,
quando desceu em Recife do
barco que o trouxe de seu país. De lá foi para a diocese de Alagoinhas, também na Bahia, onde trabalhou como missionário
por 18 anos. Ele foi um cidadão do infinito, pois sabia acolher as surpresas de
Deus.Filho de agricultores, o que dizia com “orgulho”,
estudou agronomia na sua juventude. Estudou em um seminário de formação
missionária para América Latina.Tornou-se padre fidei donum, com o desejo de ser
enviado a um país que falasse castelhano, mas que pelas surpresas de Deus, foi
enviado para o Brasil. Dom André sempre dizia que Deus tem seus caminhos e que
devemos estar abertos para as novidades Dele. Tornou-se um homem que
deixou tudo para levar à Boa Nova à humanidade. Morreusem ter nada, mas ganhou um
povo que o ama, e a recompensa da vida Eterna. Em sua vida, o Evangelho se
realizou mais uma vez: “todos aqueles que tiverem deixado casas, irmãos, irmãs,
pai, mãe, filhos ou terras, por causa do meu Nome, receberão cem vezes mais e
herdarão a vida eterna” (Mateus 19,29).
IRMÃO
DE TODOS (HUMILDE)
Dom André foi um verdadeiro Bispo
porque realmente experimentou em sua própria vida a famosa frase de Santo
Agostinho que ele gostava de repetir:"Me apavora o que sou para vós;
consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou Bispo; convosco, sou cristão.
Aquilo é um dever; isto, uma graça. O primeiro é um perigo; o segundo,
salvação". Dom André dizia que o episcopado foi mais uma grande surpresa
de Deus em sua vida. Gostava de chamar a todos de irmãos e irmãs. Repetia que
era bispo para somar forças. Em suas homilias de ordenação dos padres, recorria
sempre a Teologia do batismo e valorizava todas as vocações. Dizia que o
mistério ordenado só faz sentido e só encontra a sua razão de ser, no servir os
demais irmãos e irmãs. Evitava falar que tinha um rebanho a ele confiado. Dizia
repetidas vezes, que a Igreja de Cristo é toda ministerial e não clerical
apenas.Uma igreja servidora, onde padres, religiosas e leigos (as) servem por
igual. Foi um grande bispo porque, antes de tudo, foi um irmão, um cristão com
seu povo e, a partir dessa primeira condição, um bom pastor para o Povo de Deus
que lhe foi confiado. É como se ele tivesse levado a cabo o que Cristo
ensinou: “Vós, porém, não queirais ser
chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós
sois irmãos.... O maior dentre vós será vosso servo” (Mateus 23,8.11).
VOZ
DOS POBRES (IMOLADO)
Dom André foi um bispo fiel ao
Evangelho e alinhado com o Papa
Francisco, era voz dos pobres. Em todas as oportunidades, com o seu
jeito sereno, sempre nos lembrava do cuidado que devemos ter com os mais
pequeninos. Dizia com convicção que
“Jesus Cristo veio para salvar a todos, mas que começou pelos pequenos, pelos
mais pobres”. Por ficar sempre do lado dos excluídos e excluídas, algumas
atitudes de Dom André que lembravam a dimensão social da Evangelização, algumas
vezes não foram bem vistas, por alguns. Mas ele nunca pedia tempo com essas
controversas. Com ternura e paz, próprio de quem está com Cristo, dizia que a
verdade nos libertará e que um dia, na presença de Cristo, todos prestaremos
contas a Deus. “Nunca devemos condenar quem pensa diferente de nós”. Falava que
de nossa parte, o importante é sempre caminhar com duas pernas, “fé e vida”, uma
para evangelizar, formar o Povo de Deus e a outra, para participar da
construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida, rumo ao Reino
definitivo dizendo também que nossa
missão tem que ser equilibrada. Sempre dizia a todos que estão nas pastorais
sociais: “A nossa motivação última não é filantropia, mas é evangélica, é Jesus
que vem para que todos tenham vida”.Aos fiéis dedicados às celebrações
litúrgicas falava: “Ser discípulo de Jesus não é só rezar e celebrar, mas é
também ter compromisso com a vida. A ligação fé e vida e o cuidado com os
pobres marcaram sua vida. Pela misericórdia de Deus, agora ele pode ouvir: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por
herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive
fome, e me destes de comer; tive sede, e
me destes de beber; era estrangeiro, e me hospedastes; Estava nu, e me vestistes;
adoeci, e me visitastes; estive na prisão, e fostes me ver” (Mateus 25, 34-36)
HOMEM
DE COMUNHÃO ECLESIAL (DOADO)
Dom
André sempre
se mostrou como um homem de Igreja, como alguém que gostou de trabalhar junto
com os outros colegas padres, bispos e todo o povo de Deus. Demostrou grande
apreço pela CNBB e dizia que nunca lhe passou pela cabeça que pudesse fazer parte
do episcopado brasileiro,o que acolheu com gratidão mais essa surpresa de Deus
em sua vida. Ele tinha consciência de que o mistério da Igreja é sempre maior
do que qualquer ministro e ninguém é mais importante, diante de Deus, na Sua
Igreja, porque todos são membros da Sua família reunida em Jesus. Sempre
respeitou a história da diocese e se colocava como alguém que estava para somar
forças em uma caminhada de 60 anos de diocese, enquanto que ele tinha 25 anos
de bispo. Mais uma vez o evangelho se encarna a vida e nos gestos de Dom André:
“Em Cristo, nós que somos muitos, formamos um corpo, e cada membro está ligado
a todos os outros” (Romanos 12,5).
PASTOR
PRÓXIMO (DEDICADO)
Ordenado em 28 de agosto de 1994, Dom André tornou-se o 4º bispo da
diocese de Ruy Barbosa, até 15 de abril de 2020, quando o Papa Francisco
aceitou seu pedido de renúncia e foi nomeado seu sucessor, Dom Estevam dos
Santos Silva Filho, passando a ser emérito.
Sempre ligado ao trabalho com os agricultores e à defesa da terra, Dom
André assumiu em 2015 a vice-presidência da Comissão Pastoral da Terra,
passando a ser presidente em 2018. Recentemente, na XXXIII Assembleia Nacional
da CPT, celebrada de 6 a 8 de abril, tinha sido reeleito como presidente.
Dom André sempre foi uma pessoa de extrema simplicidade, pobre entre os
pobres, com grande disposição para escutar: um pastor com cheiro de ovelha!Lutou
até o fim para que todas as famílias tivessem um pedacinho de terra, seu teto,
sua cisterna e sua fonte de renda, através da agricultura familiar. Cuidou com
zelo da formação do futuro clero da Diocese de Ruy Barbosa para que não
faltassem ao Povo de Deus, padres discípulos
missionários, pastores “com cheiro das ovelhas”, que vivessem no meio delas
para servi-las e conduzi-las à misericórdia de Deus, através das celebrações litúrgicas, do sacrifício Eucarístico e
dos Sacramentos.
Obrigado por tudo, Dom André! Podes
descansar e dizer em paz: “Combati o bom
combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da
justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim,
mas também a todos os que aguardam a sua vinda” (2 Timóteo 4,7-8).
Pe. Carlos Marçal
01 de maio de 2021.